Intervenções no desenvolvimento psíquico ... - Ivonise Motta

Ivonise Motta
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Intervenções no desenvolvimento psíquico:
Promoção de saúde mental


Ivonise Fernandes da Motta



I - Resumo
Neste trabalho utilizamos o conceito de Saúde Mental como o grau de maturidade esperada para determinada etapa do desenvolvimento. Saúde, para uma criança pequena, entre um e cinco anos, é viver e dar conta das angústias comuns vivenciadas nessa idade. É assim para as mais diferentes etapas da vida e, nesta perspectiva, o desenvolvimento prematuro ou em atraso evidencia “algo” que não pertencem à saúde.

Descritores: saúde; intervenções breves; orientação de pais; desenvolvimento psicológico; Winnicott.

II - Introdução

Para Winnicott (1956), no início do desenvolvimento, seria a maternagem que tornaria possível o estabelecimento dos alicerces básico para a vida mental (alguma integração). Haveria uma tendência ao desenvolvimento e à maturidade. Mas, principalmente no início, uma boa provisão ambiental é requisito fundamental para o crescimento. Provisão ambiental estaria relacionada a uma adaptação psicológica da mãe às necessidades da criança. Adaptação essa que seria possível devido a dois processos mentais operantes na mãe nesse início: regressão e identificação com o bebê.

No início da vida, portanto, Saúde Mental diz respeito primordialmente a um relacionamento mãe-criança, e não a um indivíduo, podendo o ambiente que circunda o par mãe-bebê ser facilitador ou não quanto às necessidades de ambos.

Com o passar dos anos, se tudo correu bem, Saúde Mental passa a referir-se a uma criança que está construindo um “self” e a uma família que a está auxiliando nesse processo de crescimento.
Acreditamos que o ambiente, isto é, a família e as pessoas que a rodeiam, têm uma função definidora de saúde ou doença, facilitando ou dificultando a passagem pelas diversas “crises” experienciadas nesse complexo processo dirigido à maturidade.

Para vários autores, dentre eles Winnicott e Dolto, haveria, tanto do ponto de vista físico quanto emocional, uma tendência à saúde que não deve ser esquecida em qualquer tipo de tratamento. O aparecimento de um sintoma poderia ser enfocado também por esse ângulo, como uma tentativa de buscar a saúde. Isso só será possível se a mensagem emitida pelo sintoma for decifrada, à luz da compreensão dos processos mentais inconscientes.

É importante sublinhar que saúde não significa ausência de sintomas. Saúde significa um caminho cuja direção é o desenvolvimento, desenvolvimento este que para ser alcançado poderá ser entremeado por dificuldades, obstáculos e crises.

“É claro, então, que nós não estamos satisfeitos com a idéia de saúde como uma simples ausência de desordens psico-neuróticas, isto é, de distúrbios relativos à  progressão das configurações do id na direção da genitalidade completa, e à organização de defesas em relação a ansiedade no relacionamento interpessoal. Nós podemos dizer nesse contexto que a Saúde não é facilidade. A vida de um indivíduo saudável é caracterizada por medos, sentimentos conflitantes, dúvidas, frustrações, assim como aspectos positivos. A coisa principal é que o homem e a mulher sinta que ele ou ela está vivendo sua própria vida, assumindo responsabilidade por ação ou inatividade, e capaz de ter confiança para sucesso e culpa por fracasso. Sinteticamente pode ser dito que o indivíduo emergiu da dependência para independência, ou para autonomia”.(Winnicott, 1986, p. 27)
O Uso do Conhecimento Psicanalítico na Prática Clínica - A Busca da Saúde Nas origens da Psicanálise já se notaram diferentes direções em sua utilização. Freud (1909), na análise do Pequeno Hans, usou dos conhecimentos psicanalíticos de forma diversa da Psicanálise Clássica ao orientar o pai desse menino a efetuar o tratamento analítico do filho.

Winnicott (1979), em seu relato do caso “Piggle”, narra um acompanhamento de uma criança dos dois anos e quatro meses até aos cinco anos e dois meses através de dezesseis consultas nas quais conflitos inconscientes foram trabalhados. No seu trabalho (1980) sobre o Jogo de Rabiscos (Squiggle Game), relata como através de consultas com crianças e mesmo com adultos, pôde utilizar os conhecimentos psicanalíticos para realizar o contato e  trabalho com conflitos inconscientes.

Consideramos esse tipo de trabalho importante por utilizar o conhecimento acumulado em psicanálise, adaptando-o à realidade usual da prática médica e psicológica. Para nós que vivemos, paralelamente a um crescente progresso da teoria e técnica psicanalíticas, uma acessibilidade cada vez menor aos tratamentos psicanalíticos clássicos, devido ao alto custo, esta experiência mostra-se de relevante valor.

Esses avanços no terreno da prática psicanalítica são valiosos quanto à prevenção em Saúde Mental. Com uma melhor compreensão de como se dá a construção dos alicerces básicos da vida mental e de possíveis alternativas de intervenção, auxílio pode ser dado ao indivíduo já em épocas precoces de seu desenvolvimento: conforme o caso, de forma abreviada, de curta duração, o que vem de encontro às necessidades de clientelas menos protegidas.

III - Demanda dos Pais: Queixas, Sintomas e Angústias

Na realização de nossa investigação, estudamos 20 famílias que vieram procurar ajuda especializada, motivadas fundamentalmente por três razões básicas:

- Algum sintoma apresentado pela criança;
- “Momento Crítico” vivenciado pelos pais ou família, (crise conjugal, separação dos pais, perda de algum membro da família);
- Presença de angústia acentuada por um dos pais ou ambos, no vínculo específico com um dos filhos ou com os filhos em geral.

Das 20 crianças atendidas, 14 eram do sexo masculino e 6 do sexo feminino.

Quinze famílias foram atendidas pela autora deste trabalho. As cinco outras famílias foram atendidas por quatro psicólogos diferentes. Uma delas atendeu duas famílias e, os outros três, uma família cada.

Para avaliação do relacionamento entre os familiares, levamos em consideração o seguinte critério:
Relação boa – relacionamento caracterizado por cooperação e ajuda, por um equilíbrio entre dar e receber, respeito, carinho, satisfação.

Relação regular – às vezes ocorrem, às vezes não ocorrem as possibilidades acima.
Relação má – raramente ocorrem os itens acima mencionados.

Sintetizando: A maior parte de nossa amostra é constituída por pais casados, da classe média alta e classe média, com no máximo 3 filhos (11 das 20 famílias tinham dois filhos). Dos 20 casos, 13 são crianças na faixa etária de 0 a 5 anos, 4 na faixa compreendida entre 5 e 10 anos e 3 são adolescentes.

Diagnósticos, Compreensão do Sintoma ou Queixa

O procedimento utilizado foi o de primeiramente ser estabelecida uma noção diagnóstica em cada um dos casos, o significado do sintoma da criança ou da queixa apresentada.
A partir deste conhecimento, estabelecíamos como intervir a fim de propiciar auxílio aos pais e às crianças. Além da visão diagnóstica, a disponibilidade e a possibilidade dos pais para seguirem o tratamento prescrito foram levadas em consideração.

Modalidades de Intervenções Realizadas

Em 7 casos, 1, 3, 4, 5, 6, 12 e 18, a intervenção foi realizada através de consultas, tentando-se acompanhar a família e o que era conseguido com este tipo de intervenção.

Em 10 casos, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16 e 20, nossa intervenção foi mais intensa, tendo sido realizada orientação de pais. Em 3 destes casos, efetuou-se trabalho terapêutico com a criança (casos 7, 15 e 16).

Nos outros 7, (casos 8, 9, 10, 14, 15, 16 e 20), o trabalho de orientação com os pais foi realizado em sessões semanais, durante um semestre. No caso 7, o processo de orientação foi realizado durante quatro meses, com uma sessão por quinzena. No caso 11, o processo de orientação foi realizado durante um ano, com uma sessão por quinzena.

Nos casos 7, 13 e 16, a criança foi acompanhada através de processo de psicoterapia com a freqüência de uma sessão semanal durante um semestre. No caso 15, a criança também foi acompanhada por processo ludoterápico com a freqüência de uma sessão semanal, por um período de 3 meses.

Nos casos 13 e 17, realizamos consultas periódicas com os pais. Atendemos o caso 17 durante o período de um mês, com a freqüência de uma sessão semanal.

No caso 19, realizamos apenas uma apreciação diagnóstica, que não pôde ter prosseguimento devido a desistência dos pais ao atendimento. A modalidade de tratamento escolhida seria a de orientação aos pais com atendimento psicoterápico à criança.

IV – Resultados

Os Pais e o Universo Psíquico dos Filhos

Em dois dos 20 casos atendidos, houve interrupção do atendimento (casos 1e 2) e uma desistência (caso 19).

Nos dezessete casos restantes, os resultados alcançados podem ser descritos no seguintes itens:

1- Aumento de contato com a realidade psíquica do filho.
2- Aumento de contato com sua própria realidade psíquica (pais).
3- Compreensão do sintoma da criança pelos pais no que se referia a seu significado em termos de desenvolvimento mental.
4- Diminuição do uso do filho como depositário de identificações projetivas maciças de partes do self dos pais.
5- Os pais conseguiram prestar auxílio ao filho, em relação ao sintoma ou dificuldade apresentada.
6- Aceitação da realização de psicoterapia de base analítica de longa duração, para prestar melhor auxílio ao desenvolvimento do filho.
7- Aceitação de realização de psicoterapia de base analítica de longa duração, imprescindível como tratamento para a criança.

Para análise dos resultados obtidos, utilizamos os seguintes critérios:

Ruim – Quando houve interrupção ou desistência.
Insuficiente – Nenhum resultado em relação aos itens 1, 2 e 3 ou somente                                     parcial em 4 e 5.
Regular – Resultados apenas parciais em relação aos itens 1, 2, 3, 4 e 5.

Passaremos agora a aprofundar cada um dos itens mencionados.

Aumento de Contato com a realidade psíquica do filho

A possibilidade de contato com a realidade psíquica do filho é necessária e imprescindível, no que se refere ao bom desempenho das funções materna e paterna. Para tanto, é importante que os pais tenham alguma possibilidade de identificação com a criança, poder colocar-se no lugar do filho, a fim de ter alguma compreensão de suas angústias e necessidades, isto é, ter empatia.

O caso 3 é bastante elucidativo a este respeito. A mãe sente-se angustiada, temendo não ter condições suficientes para dar conta do bebê chorão. A criança parece comunicar a necessidade de um contato físico e psíquico, por um período de tempo mais prolongado com a mãe.

A angústia acentuada de B., temendo ser exaurida pelo bebê, dificultava o contato mãe-criança, havendo o risco de ocorrer um distanciamento afetivo entre ambos. Neste início, com um bebê de um mês de idade, sabemos da importância do contato afetivo satisfatório com a mãe, para que haja possibilidade do estabelecimento de bons alicerces para a vida mental da criança.

A possibilidade desta mãe sentir-se acolhida pela terapeuta, ao compartilhar angústias difíceis como as que vivia, foi importante no sentido de auxiliá-la a fazer o mesmo com o seu bebê, isto é, acolher o bebê, mesmo quando este chorava incessantemente. A terapeuta forneceu-lhe um modelo de mãe mais continente, com a qual identificar-se. Através da consulta psicológica realizada, houve a possibilidade de discriminação de quais eram as angústias do bebê e de quais eram as angústias da mãe. Desta maneira, tentou-se resgatar a possibilidade desta mãe manter contato psíquico com a criança, próximo e favorável ao desempenho de suas funções maternas.

Quando há condição dos pais aumentarem o contato com a realidade psíquica do filho, discriminando de sua própria realidade psíquica, discriminando suas angústias das do filho, observamos que há possibilidade dos pais seguirem as orientações fornecidas pelo terapeuta, quanto ao que deve ser empreendido no vínculo com a criança. Esta é uma condição necessária e indispensável para que o trabalho de orientação tenha sucesso.

O aumento de contato com a realidade psíquica do filho relaciona-se à possibilidade de aumento de contato com sua própria realidade psíquica (pais). A medida que os pais tinham condição de terem maior proximidade com suas próprias angústias, como pais, naquele momento evolutivo da criança, como que resgatavam a possibilidade de perceber o filho, “olhando-o” com maior clareza.

Aumento de contato dos pais com sua realidade psíquica

Os pais por vezes percebem que necessitam de auxílio especializado, para o bom desempenho de suas funções parentais.

No caso 11, M. vem ao meu consultório, desejando ter uma compreensão melhor da vida psíquica do filho mais velho, filho com o qual se identificava, principalmente nas dificuldades. Através do trabalho de orientação, pudemos observar que M. queria também ajuda para si mesma. Era importante para ela, ser uma mãe “carinhosa e próxima”, o que nem sempre conseguia, repetindo por vezes a maneira de ser de sua própria mãe, “fria e agressiva”.

A medida que este trabalho estava sendo desenvolvido, o relacionamento de M. com seu filho e com sua mãe foi melhorando. Gradativamente ía percebendo suas carências, mágoas e ressentimentos.
O maior contato com sua própria realidade psíquica, com uma mãe de seu mundo mental, má e raivosa, foi útil, propiciando o resgate de aspectos de seu self tão desejados: o carinho e a possibilidade de contato próximo com os filhos.

A medida que o trabalho de orientação foi se desenvolvendo, M. dizia se sentir “bem e à vontade” comigo. Confiava em nosso vínculo, sentindo-se acolhida e compreendida. Pôde então internalizar este modelo de relacionamento e utilizá-lo em outros vínculos.

O maior contato com a realidade psíquica do filho e com a sua própria através do processo de orientação, dá condições aos pais de obterem outra possibilidade de percepção do filho e do lugar que a criança deve ocupar, para que possa crescer em direção à maturidade.

Compreensão do sintoma da criança pelos pais, no que se referia a seu significado em termos de desenvolvimento mental

Este aspecto nos parece ser de grande importância, isto é, a possibilidade dos pais alcançarem alguma compreensão do significado do sintoma da criança. Para tanto, em cada um dos casos, fornecemos aos pais noções do desenvolvimento mental e das dificuldades que estariam ocorrendo quando da procura de ajuda psicológica.

Quando os pais conversam com o psicólogo sobre o sintoma ou dificuldade do filho, algum distanciamento é conseguido deste sintoma ou dificuldade. Isto é útil para que alguma compreensão seja obtida. Os pais têm a possibilidade de gradativamente organizar o que estava confuso e angustiante.

Saber escutar e ver o filho, assim como seu sintoma, não é tarefa fácil ou simples. Notamos que nos 20 casos atendidos alguma “escuta” ou “visão” foi conseguida, ainda que com possibilidades muito diferentes de intervenção dos pais.

Como exemplo, no caso 17, a compreensão do significado dos comportamentos estranhos da filha – os quais permeavam um quadro com características depressivas – foi importante, já que auxiliou os pais a tomarem algumas medidas decisivas para a vida de T. Quando da gravidez de T. os pais optaram em dar apoio à filha, evitando porém um casamento que, segundo eles, não poderia ser uma boa saída, levando-se em conta o desenvolvimento da filha a longo prazo. O apoio fornecido a T. pelos pais, tanto durante a gravidez, como no período pós-parto, foi imprescindível a fim de que T. enfrentasse esta “Situação Crítica” com melhores condições, possibilitando a continuidade de seus estudos.

Os pais estabeleceram um bom contato comigo, adquirindo confiança. Retornaram quando da gravidez de T., buscando algum alívio para a dor que sentiam. Procuravam, com minha ajuda, construir pensamentos e soluções sobre o que seria  melhor para a vida da filha, não só naquele momento, mas levando-se em conta seu desenvolvimento como um todo.

Segundo minha observação, esses pais tinham e mantinham a possibilidade de “ver” filha como uma adolescente que enfrentava problemas em seu desenvolvimento. Demonstravam uma vontade real de prestar-lhe auxílio. Percebiam que havia sofrimento em seu viver e em sua afetividade. E  mesmo na dificuldade em enfrentar uma gravidez prematura da filha, havia percepção de que a filha estava “atrapalhada”.

A possibilidade de uma compreensão empática do significado do “sintoma” do filho é de grande valor para que haja condição dos pais prestarem auxílio ao desenvolvimento mental da criança, com a superação dos obstáculos encontrados na direção da saúde mental.

Diminuição do uso do filho como depositário de identificações projetivas maciças de partes do self dos pais

Com o uso da concepção da identificação projetiva, com protótipo das relações objetais primitivas, um outro conceito passou a ser relevante para a Psicanálise. A idéia de “conter”, a idéia de que, de certa maneira, uma pessoa contém partes da outra.

Com o desenvolvimento destes dois conceitos, “identificação projetiva” e “continência”, notamos a importância dada a uma função materna significativa no vínculo com a criança, propiciadora da integração da mente: a função de “conter” as angústias do filho (colocadas dentro da mãe por identificação projetiva), devolvendo-as como conteúdos menos aterrorizantes e passíveis de alguma compreensão.

O uso do filho como depositário de identificações projetivas maciças de partes do self dos pais inverte a direção do processo: espera-se dos pais que tenham condições de “conter” conteúdos mentais angustiantes do filho, possibilitando através desse processo a construção do ego da criança, a partir da introjeção de um objeto continente capaz de compreender as experiências mentais. A medida que esse processo é invertido, a criança fica com a sobrecarga de “conter” conteúdos dos pais, tarefa por demais pesada para um self ainda em construção.

Em nosso trabalho, notamos que os pais por vezes se excedem em identificações projetivas nos filhos, dificultando a possibilidade de contato com a vida mental da criança e a provisão daquilo de que o filho necessita para seu desenvolvimento.

No caso 2, este processo invertido é bastante elucidativo. A respeito de um bebê de 8 meses, sua mãe afirma: “Essa é a filha que eu amo e que não me ama”. Na verdade, a mãe, enquanto rejeitada pelo bebê, colocava nele seu ódio projetado nos pais internos que rejeitam, enquanto se identificava com o bebê rejeitado. Enquanto amava o bebê, realizava o desejo, do bebê que ela fôra, de ser amada pelos pais.

Notamos que esse jogo de identificações projetivas dificultava a essa mãe olhar e ver seu bebê, que ali estava perto dela. A possibilidade de comunicação e contato estava prejudicada pela transferência de relações do passado.

Quando os pais continuam utilizando o filho como continente de identificações projetivas maciças, há necessidade da realização de trabalho psicanalítico de longa duração. Se a criança não pode contar com os pais, poderá contar com o analista, como aquele que poderá conter suas angústias, propiciando o desenvolvimento de seu ego em construção.

Os pais conseguiram prestar auxílio ao filho, no sintoma e na dificuldade

Após a compreensão do significado do sintoma da criança, item 3, há possibilidade dos pais empreenderem tentativas de auxiliar a criança a superar os obstáculos encontrados na busca de seu desenvolvimento. Como já exposto anteriormente, esta possibilidade de ajuda por parte dos pais dependerá também de terem condição de aumentar o contato com a realidade psíquica do filho e da sua própria realidade psíquica.

No caso 18, observamos que a mãe pôde prestar auxílio ao filho, seguindo as orientações fornecidas. Através de nossas conversas, a mãe ía relatando como estava o contato com seu filho: como brincavam, do quê brincavam, se havia seguido ou não minhas orientações, que dúvidas ou dificuldades tinha a respeito. A mãe estava deprimida, tentando elaborar a separação de seu marido. Nas consultas, a mãe conversa sobre sua depressão e o que sentia em relação ao seu casamento desfeito e ao ex-marido.

Neste caso, este tipo de intervenção foi tentada porque acreditamos que o auxílio também seria prestado à mãe, além do prestado à criança, caso a mãe pudesse, através de seu contato com o filho, ajudá-lo a gradativamente relacionar-se mais e melhor. O processo de luto patológico da mãe havia afetado muito a criança. O vínculo mais significativo da criança era a figura materna, já que a figura paterna não mantinha contato com a criança. Os avós maternos e paternos só encontravam a criança esporadicamente.

Na verdade, era com a mãe com que a criança realmente podia contar. Para ajudar esta criança, teríamos que levar em conta este fato. Para ajudar a criança, teríamos que oferecer ajuda à mãe.
A medida que a mãe sentiu-se acolhida pelas consultas realizadas, podendo compartilhar comigo suas tristeza e dor, assim como sua preocupação com o filho, pôde gradativamente ir resgatando seus recursos para ligar-se cada vez mais ao filho e à tarefa que eu propositadamente propus que ela desenvolvesse. Isto é, a tentativa de reparação do atraso de desenvolvimento que o filho apresentava.

É importante compreender a criança assim como a mãe (ou pais), segundo o momento emocional que estão vivendo. Para intervir se faz necessário levar em conta a crise familiar existente, ou as angústias básicas que estão presentes na vida dos pais.

O lugar no qual os pais se colocavam na relação com o filho foi se revelando, no decurso desta pesquisa, como determinante da possibilidade ou não do empreendimento de medidas reparatórias dos pais, assim como na qualidade destas. Se o lugar era “queremos ficar livres do incômodo (sintoma da criança) da maneira mais rápida e simples possível”, as possibilidades foram se mostrando remotas. Se o lugar era “estamos dispostos a realizar tentativas de prestar auxílio a nosso filho, porque ele sofre, ou porque, sabemos que estamos errados e continuamos a repetir o mesmo erro sem saber por quê”, as possibilidades se mostraram melhores, ainda que limitadas.

Aceitação da psicoterapia psicanalítica de longa duração, para melhor auxílio ao desenvolvimento do filho

Em alguns dos casos atendidos, após o tratamento efetuado, houve aceitação da realização de psicoterapia de longa duração (casos 9, 14 e 16). Através do trabalho de orientação e um maior contato com a realidade psíquica do filho e com a sua própria, os pais  aceitaram que esta seria útil para auxiliar o desenvolvimento psicológico do filho.Nos casos 7 e 11, as mães, através do processo de orientação e de um maior contato com a própria realidade psíquica, desejaram aprofundar o que já fora iniciado, através de psicoterapia de base analítica.

Através do atendimento ou supervisão desses casos, pude observar que o contato psicoterápico abreviado colocou os pais em contato gradativo com a realidade psíquica (do filho e própria). Isto foi um fator facilitador no sentido de propiciar o aparecimento do desejo de continuar aprofundando este tipo de contato, por senti-lo valioso.

Aceitação de realização de psicoterapia de orientação psicanalítica, de longa duração, imprescindível como tratamento para a criança

Em alguns dos casos atendidos, a realização de psicoterapia de base analítica, de longa duração, mostrava-se imprescindível.

A realização do processo de orientação ou consultas foi útil, no sentido de construir confiança no trabalho do terapeuta, havendo aceitação desta indicação.

Cabe destacar que este item diferencia-se do anterior por ser indispensável a realização de um processo analítico, de longa duração, para que a criança tenha condições favoráveis para o seu desenvolvimento. No item anterior a realização deste tipo de tratamento é recomendável, ainda que as crianças tivessem possibilidades melhores de desenvolvimento.

V - Discussão

Os resultados mostram que, quando a modalidade de atendimento é consultas, na maioria dos casos tivemos bons resultados. Quanto às outras modalidades de atendimento, não encontramos uma relação definida entre modalidade de intervenção utilizada e o resultado obtido.

Quando a relação dos pais é “boa”, aumenta a possibilidade do resultado do atendimento ser “bom”. Em oitenta por cento ou oito dos dez casos o resultado é “bom”, num total de cinquenta e oito por cento (58%) de resultados “bons”.

Se a relação entre os pais é “regular”, diminui a possibilidade de bons resultados (20% teve resultado “bom”) e aumenta a expectativa de resultado “ruim” (40%) e “regular” (40%), ou seja, oitenta por cento (80%) de “ruim” a “regular”.

Se a relação dos pais é “má”, ainda há esperança do resultado do atendimento ser “bom” (50%) para metade das crianças nessa circunstância.

Quando a relação entre a mãe e a criança é “boa”, a maioria do resultado do atendimento é “bom” (80%).

Se a relação for apenas “regular”, ainda é possível esperar que a maioria da qualidade do atendimento seja “boa” (57%).

Contudo, é quase certo que se a relação da mãe com a criança for “má” se espere grande possibilidade de resultado do atendimento “ruim” (100%), isto é, nos três casos em que a relação mãe-criança é “má” o resultado é “ruim”.

A relação pai-criança, embora não seja a mais influente em nossa cultura, parece indicar a expectativa do resultado.

Quando a relação pai-criança é “boa”, a maior parte dos resultados do atendimento consegue ser “bom” (87%).

Se a relação pai-criança é “regular”, espera-se que o resultado do atendimento também o acompanhe (67%).

Se a relação pai-criança é “má”, é bastante possível que o resultado do atendimento fique entre “ruim” e “regular”, ou seja, 66%. Dito de outro modo: se a relação pai-criança é “má”, há pouca probalidade de resultado “bom” para o atendimento (33% de “bom” em 6 relações “más” entre pai-criança).

Como foi descrito anteriormente a intervenção através de consultas foi escolhida quando os pais dispunham de boas condições emocionais para auxiliar a criança a encontrar saídas na busca do desenvolvimento mental.

As outras modalidades de atendimento foram utilizadas quando havia necessidade de um trabalho mais intenso, por um período limitado, a fim de se conseguir intervir na problemática existente.

Diante desses dados e analisando os resultados obtidos em cada um dos casos estudados, concluímos que o sucesso ou fracasso, um resultado melhor ou mais limitado, dependem fundamentalmente das condições emocionais dos pais. As características da problemática a ser tratada é também um fator a ser considerado.

Considerações finais e conclusão

Através do estudo realizado observamos que auxílio pode ser prestado aos pais, quanto ao desempenho de suas funções maternas e paternas, de maneira abreviada. Utilizando-se dos conhecimentos oriundos da psicanálise, principalmente no que se refere ao desenvolvimento emocional, ajuda pode ser fornecida à família, já nos primórdios do desenvolvimento da criança.

Dos 20 casos estudados, obtivemos resultados bons e regulares em dezesseis deles. Destes dezesseis, em doze os resultados são bons e em quatro regulares. Consideramos esses resultados como indicadores de que, através de intervenção psicológica abreviada, auxílio pode ser fornecido aos pais, para que sejam agentes facilitadores dos processos maturativos na direção da saúde mental de seus filhos.

Observamos que o sucesso ou fracasso das intervenções realizadas estão relacionadas fundamentalmente com as condições emocionais dos pais. Quando o trabalho psicoterápico abreviado é realizado com pais com capacidade para conter angústias e para depressão, os resultados são mais eficazes. Quando essas capacidades não estão presentes nos pais, os resultados são limitados. É quando ocorre o fracasso.

Um maior contato com a realidade psíquica do filho, assim como com a sua própria, e o contato com aspectos de seu próprio self projetados na criança mostraram-se enriquecedores. Observamos que a partir desse processo surge a possibilidade de resgate da capacidade de continência de angústias, tão importante no vínculo pais-filhos. A função especular também se torna possível, já que os pais recuperam a possibilidade de “olhar” o filho com melhor nitidez quanto às dificuldades apresentadas naquele determinado momento evolutivo.

Naqueles casos em que os pais continuaram utilizando o filho como continente de identificações projetivas maciças, notamos a necessidade de realização de psicoterapia de base analítica, de longa duração. O trabalho psicoterápico abreviado mostrou-se insuficiente, ocorrendo o fracasso. As possibilidades de percepção e relacionamento com o filho, com características de maior integração (depressão), não se mostraram presentes.

A possibilidade de um aumento gradativo de contato com a realidade psíquica do filho e com a própria, e compreensão empática do significado do sintoma da criança, mostraram-se importantes no sentido de possibilitar aos pais o empreendimento de tentativa de prestar auxílio ao desenvolvimento do filho (reparação).

Em alguns casos, o trabalho psicoterápico abreviado foi sentido como valioso pelos pais, despertando confiança e esperança no vínculo com o terapeuta. Isto foi um fator facilitador à realização de psicoterapia de base analítica, de longa duração, tanto pelo filho como pelos pais.
Observamos que a participação dos pais na tentativa de prestar auxílio ao desenvolvimento do filho é importante para o resgate de confiança nas próprias capacidades para exercer as funções maternas e paternas.

Nossa amostra é constituída por famílias pertencentes basicamente à classe média e classe média alta. Sugerimos que este tipo de investigação seja desenvolvido junto a famílias menos protegidas financeiramente. Acreditamos que a capacidade para conter angústias e para depressão independe da condição econômica, estando mais intrinsecamente relacionada às condições emocionais e de desenvolvimento dos membros familiares. Uma condição econômica mais instável e desprotegida pode influenciar a eficácia adaptativa da família.

O trabalho de orientação com pais é importante quando pensamos em utilizar os conhecimentos oriundos da psicanálise quanto à prevenção em saúde mental. E se a integração (depressão) é uma das conquistas mais importantes no árduo caminho percorrido na direção da saúde mental e da maturidade, a realização de novos trabalhos nessa área são promissores quanto ao acesso às etapas mais primitivas do desenvolvimento psicológico, favorecendo o trabalho preventivo nos primeiros anos de vida.

O trabalho abreviado com os pais, quer através de consultas, quer através de orientação psicanaliticamente fundamentada, utiliza-se das condições emocionais favoráveis dos pais para facilitar o desenvolvimento da criança. Através dos resultados de nossa pesquisa concluímos que é possível a utilização dos conhecimentos psicanalíticos com essa finalidade. Muito há para ser feito na área.


VI – Referências
Dolto, F. (1977). Psicanálise e Pediatria (A. Cabral, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar.
Dolto, F. (1988). Dificuldade de Viver (A. E. Fillmann & D. Vasconcellos, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.
Freud, S. (1973). Analisis de La Fobia de Un Nino de Cinco Anos (Original de 1909) (Luis Lopes- Ballesteros y de Torres, Trad.). In S. Freud (Ed.), Obras completas psicológicas de Sigmund Freud (Vol. 1). Madrid: Ed. Biblioteca Nueva.
Winnicott, D. W. (1978). Preocupação Materna Primária (Original de 1956) (J. Russo, Trad.). In D. W. Winnicott (Ed.), Textos Selecionados: Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
Winnicott, D. W. (1979). The Piggle. Relato do Tratamento Psicanalítico de Uma Menina (E. P. Vieira & R. d. L. Martins, Trad.). Rio de Janeiro: Imago.
Winnicott, D. W. (1980). Clinica Psicoanalitica Infantil (B. Gorse, Trad.). B. Aires: Hormé.
Winnicott, D. W. (1986). Home is Where We Start From. New York: W. W. Norton & Company.

 
 
 
 
 
 
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