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Ivonise Motta
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Intervenções no Desenvolvimento Psicológico: A Orientação de Pais



Ivonise Fernandes da Motta
Professora-Doutora do Departamento de Psicologia Clínica
 do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

Preocupação indica o fato do indivíduo se importar, ou valorizar, e tanto sentir como aceitar responsabilidade. Em nível genital no enunciado da teoria do desenvolvimento, preocupação pode ser considerada a base da família, cujos membros unidos na cópula – além de seu prazer – assumem responsabilidade pelo resultado. Mas na vida imaginária total do indivíduo, o tema da preocupação levanta questão até mais ampla, e a capacidade de se preocupar está na base de todo brinquedo e trabalho construtivo. Pertence ao viver normal, sadio, e merece a atenção do psicanalista. (Winnicott, 1963, pp.70-71)


Com os progressos oriundos dos conhecimentos adquiridos através da psicanálise sabemos que os primeiros anos de vida são vitais para o estabelecimento de um sólido alicerce quanto ao desenvolvimento emocional da criança.
Com o nascimento de um bebê estabelece-se uma crise, “trauma do nascimento”, que poderá ou não ser acompanhada de crise adaptativa dos pais. Esta crise inicial inevitavelmente será sucedida por várias outras. Dependendo do sucesso da função parental, estas crises poderão aumentar ou diminuir a eficácia adaptativa do filho. Mesmo que os pais cumpram adequadamente seu papel, sabemos que há inúmeras vicissitudes no desenvolvimento infantil que transbordam da função parental e por vezes se fará necessário algum tipo de intervenção ou ajuda especializada.
Acreditamos que intervir na infância é, antes de tudo, um trabalho preventivo que propicia a construção de bases mais sólidas para a integração e saúde mental.
Intervir nos primeiros anos de vida mostra-se vantajoso por vários motivos. Previne-se primeiramente que perturbações se instalem e se compliquem ao longo da história do indivíduo, com a sobrecarga de dificuldades naturais e sucessivas advindas das diferentes etapas do desenvolvimento. Poupa-se assim sofrimento à criança em desenvolvimento e à família. A intervenção bem sucedida pode evitar a necessidade de tratamentos prolongados na vida futura do indivíduo, já que se interferiu para evitar o agravamento dos distúrbios iniciais da vida mental, com perturbações que poderiam requerer sua reconstrução tardia.
No trabalho de orientação de pais psicanaliticamente orientada utilizamos o conceito de Saúde Mental como o grau de maturidade esperada para determinada etapa do desenvolvimento. Sinteticamente, isto quer dizer que saúde significa que uma criança de cinco anos de idade possa ser uma criança de cinco anos (assim como uma criança de 1, 3, 7, 9 anos), vivendo e tentando dar conta das angústias que se espera esteja vivenciando nessa idade. E assim nas mais diferentes etapas da vida. Nesta perspectiva, o desenvolvimento prematuro ou um atraso evidenciaria “algo” que não pertence à saúde.
Saúde Mental, no início da vida, diz respeito primordialmente a um relacionamento mãe-criança, e não a um indivíduo, podendo o ambiente que circunda o par mãe-bebê ser facilitador ou não quanto às necessidades de ambos.
Com o passar dos anos, se tudo correu bem, Saúde Mental passa a referir-se a uma criança que está construindo um “self” e a uma família que a está auxiliando nesse processo de crescimento. Utilizamos o conceito “self” segundo a conceituação de Winnicott, isto é, uma noção de existir própria, com a constituição de um “eu” com limites gradativamente bem estabelecidos e discriminados do que é “não-eu”. Noções da realidade externa também vão sendo construídas e diferenciadas do que costumeiramente chamamos realidade interna ou realidade psíquica. A criança atinge o estágio do “concern” ou “preocupação”, ou seja, tem noções da mãe como um outro que tem existência própria, sentimentos principalmente no que se refere ao filho, no que se refere ao bebê em crescimento. Se a criança atingiu o estágio da “preocupação”, sente-se preocupada quanto a mãe estar bem ou não. A moralidade inata emerge enquanto conquista ou resultado dessa fase do desenvolvimento.
Nesse processo de amadurecimento acreditamos que o ambiente, isto é, a família e as pessoas que rodeiam a criança, têm uma função definidora de saúde ou doença, facilitando ou dificultando a passagem pelas diversas “crises” experienciadas nesse complexo processo dirigido à maturidade.
Em relação ao conceito de Saúde Mental, é importante ainda se abordar a noção do significado do sintoma. Com uma maior e melhor compreensão dos fenômenos mais primitivos e inconscientes, variados sintomas, mesmo físicos, apresentados pela criança, durante seu crescimento, podem ter uma significação na sua vida mental. Torna-se necessário conhecê-los, já que interferem no desenvolvimento físico e psíquico.
O aparecimento de um sintoma pode significar um sinal, uma mensagem dada pela criança que necessita ser decifrada, para que ela possa continuar caminhando em direção à saúde mental.
É importante sublinhar que saúde não significa ausência de sintomas. Saúde significa um caminho cuja direção é o desenvolvimento, desenvolvimento este que para ser alcançado poderá ser entremeado por dificuldades, obstáculos e crises.
Nos primeiros anos de vida, sintomas físicos costumam alertar os pais e pediatras que alguns transtornos poderiam estar relacionados a dificuldades que a criança está vivenciando no seu processo de desenvolvimento. São comuns o aparecimento de problemas respiratórios (bronquites, asmas); sintomas gastrointestinais (vômitos, diarréias, prisão de ventre, etc.) dentre outros, que em várias ocasiões representam angústias, conflitos, crises experienciados pela criança, algum outro componente da família ou a família como um todo. A intervenção oferecida pelo pediatra pode ser bastante significativa na possibilidade de superar o obstáculo encontrado.
Nos dias atuais, a escola também tem adquirido valor no sentido de intervir na busca do desenvolvimento emocional da criança, isto é, da Saúde Mental. São comuns sintomas ou queixas trazidos pelos pais que foram manifestados na escola: notas baixas, problemas de comportamento (inadequação no trato com professores ou colegas; agressividade, passividade, etc.).
Tanto o Pediatra como a Escola desempenham a função de interventores que, ao terem auxílio do Psicólogo, poderão intervir em várias crises do desenvolvimento, facilitando sua resolução na direção da Saúde Mental. Independentemente das situações de crise, vale também ajudar a família no conjunto de medidas da fase de prevenção primária, denominada “promoção de saúde” (mental), na qual se procura não apenas evitar distúrbios, mas melhorar a eficácia da adaptação familiar.
Através dos avanços no terreno da prática psicanalítica, através da compreensão cada vez mais precisa dos alicerces básicos da vida mental e de possíveis alternativas de intervenção, auxílio pode ser dado ao indivíduo já em épocas precoces de seu desenvolvimento: conforme o caso, de forma abreviada, de curta duração, o que vem de encontro às necessidades de clientelas menos protegidas. Nesse contexto, podemos incluir a demanda de pacientes que buscam as Clínicas-Escolas de Psicologia ou outras instituições de saúde (hospitais, centros de saúde, etc.)
O trabalho preventivo na infância permite menos intervenção na vida do paciente. Acreditamos ser esse um objetivo a ser buscado tanto pela Psicanálise e Psicologia Preventiva como pela Medicina. A quanto menos tratamentos, remédios, hospitalização, cirurgias um indivíduo se submeter, melhor. Quanto menos um indivíduo precisar de tratamento psicológico, melhor será, exceto no caso específico da formação de psicoterapeutas e psicanalistas ou em outras situações excepcionais, específicas e que não cabe aqui ressaltar. O trabalho psicanalítico, considerado como ajuda para o desenvolvimento da personalidade e auto-conhecimento, é desejável. No entanto, o atendimento psicanalítico ou psicoterápico como tratamento pode ser evitado se intervenções precoces forem realizadas no sentido de prover auxílio ao desenvolvimento psicológico da criança.


Gosto muito de fazer análise e sempre aguardo com expectativa o final de cada uma delas. A análise pela análise não tem sentido para mim. Faço análise porque é disso que o paciente precisa e aceita. Se o paciente não precisa de análise, faço, então, outra coisa. Na análise pergunta-se quanto é permitido fazer? Por contraste, em minha clínica, o lema é: quão pouco precisa ser feito?
Em minha opinião, nossos objetivos no exercício da técnica padrão não são alterados, no caso de interpretarmos os mecanismos mentais que pertencem aos tipos psicóticos de desordem e aos estágios primitivos nas fases emocionais do indivíduo. Se nosso objetivo continua a ser o de verbalizar o inconsciente incipiente em termos de transferência, então estaremos fazendo análise. Caso contrário seremos então analistas fazendo outra coisa que consideramos apropriada à ocasião. E porque não? (Winnicott, 1979, pp.14-15)


A orientação de pais psicanaliticamente orientada tem por objetivo essencial tentar preparar a família, os pais, para que, no desenvolvimento de suas funções parentais, tenham melhores condições de promover a saúde, propiciando o desenvolvimento psicológico dos filhos. Dito de outra maneira, a intervenção visaria preparar a família, criança e pais, para que melhores condições de desenvolvimento sejam propiciadas, no ambiente natural da criança. Havendo “crises”, que a intervenção auxilie seu enfrentamento. Havendo dificuldades no exercício da função materna, paterna, ou na compreensão da vida mental da criança, que a intervenção ofereça algum auxílio neste sentido.
Além do diagnóstico bem formulado da crise que motiva o pedido de ajuda dos pais também é importante sublinhar que a busca de auxílio feito por um pai para que seu filho, criança ou adolescente, pode ser um pedido de ajuda para si mesmo. A importância desta compreensão é relevante porque, quando este tipo de necessidade não é levada em conta, é comum a desistência do tratamento.
Acreditamos que para prestar auxílio à criança em desenvolvimento é importante compreender os pais e as dificuldades apresentadas na relação com o filho. A criança assim como os pais e a família, têm uma história. O lugar que a criança ocupa nessa história é relevante para se compreender seu desenvolvimento e os obstáculos encontrados neste percurso. A compreensão desta história é fundamental para a compreensão do sintoma ou angústias emergentes e a intervenção psicoterápica a ser realizada.


Exemplo clínico.


A mãe de R. vem procurar ajuda psicológica para o filho, angustiada e deprimida. Tanto o pediatra como a escola haviam recomendado a busca de tratamento psicológico. A escola alerta a mãe sobre as dificuldades sérias de R. no que se refere a contato. R. é uma criança desligada, aérea, não faz contato com os olhos, repetindo o que lhe é dito verbalmente. O pediatra também observa atraso em seu desenvolvimento.
R. está nesta época com 4 anos de idade. Sua mãe relata estar preocupada com o menino, já que observa o quanto ele brinca isolado e como apresenta dificuldades de relacionamento. A mãe está deprimida devido à separação com o marido. Conta que quando R. tinha aproximadamente 2 anos seu marido ficou um período de tempo desempregado. Em casa a maior parte do dia, enquanto a esposa trabalhava fora, acabou tendo um caso amoroso com a babá de R. Tomando conhecimento do ocorrido, a mãe decide-se pela separação. O pai mantém pouco contato com eles na época da primeira consulta comigo, não dando qualquer ajuda financeira.
Realizo três sessões lúdicas com R.. Confirmo o que a mãe, o pediatra e a escola haviam percebido. Realmente R. apresenta acentuada dificuldade em contatuar. Inibido em seu brincar, dispersivo, verbaliza muito pouco e, quando o faz, é difícil compreender suas palavras. R. apresenta um sério atraso em seu desenvolvimento.
A mãe não tem condições financeiras para arcar com um tratamento psicanalítico nos moldes clássicos, isto é, duas ou três sessões por semana. Opto então por tentar um novo caminho, considerando também que a mãe precisa de ajuda psicológica, já que não havia se recuperado da separação com o marido.
Combinamos consultas mensais com R, além de sessões de orientação com ela, com a mesma freqüência. Explico que R. apresenta um atraso considerável em seu desenvolvimento e que um tratamento é indicado. Seria uma tentativa através de consultas e, caso não tivesse sucesso, seria indicada outra alternativa.
Oriento a mãe para brincar com o filho sempre que chegasse do trabalho. Explico que isto é importante já que uma das dificuldades básicas de R. é de contato. Contato com as pessoas e com seus próprios sentimentos e angústias. Isto detinha suas possibilidades de crescer se desenvolver. Discuto com a mãe sobre como brincar com R., sugerindo algumas brincadeiras adequadas: tintas, tiro ao alvo, modelagem. Oriento também a respeito de passeios no final de semana e dos cuidados da babá para com R., incluindo a importância da babá despender parte de seu tempo brincando com R..
Meu objetivo ao orientar a mãe sobre a importância de brincar com R. é duplo. Ajudar R. em seu desenvolvimento e auxiliar a mãe a superar sua tristeza, sua depressão em relação ao fracasso de seu casamento.
A mãe segue minhas indicações. Nas sessões realizadas com R. e com sua mãe, acompanho o desenvolvimento de R. e a melhora da mãe. Pouco a pouco o garoto vai se desligando da mãe, ligando-se a outros interesses e pessoas. A escola relata progressos com uma crescente participação de R. nas diferentes atividades escolares. A capacidade de verbalização de R. aumenta.
À medida que R. apresenta melhoras, a mãe vai se sentindo aliviada e animada em relação ao filho e à vida. “Antes de vir aqui eu estava muito angustiada. Agora que ele vem aqui e está mudando, estou melhor”. Oriento a mãe para falar sobre o pai e sobre a separação do casal. R. mostra interesse a respeito.
Após aproximadamente dez meses da realização da primeira consulta a mãe afirma, “Ah, Ivonise, mas R. está tão diferente que eu nem acredito”. Chora ao falar sobre as mudanças do filho. Ele brinca com outras crianças, fala, parece uma criança como as outras. Diz que sua vida mudou muito. Em seu trabalho tudo está melhor e um novo relacionamento amoroso está ocorrendo.
Na sessão lúdica observo que o garoto se comunica e verbaliza com mais facilidade. Apresenta mais criatividade no brincar, mostrando alegria na integração. Separa-se com facilidade da mãe.
Revejo R. e sua mãe depois de um ano. A mãe afirma que queria ter retornado antes, mas que estava tão atribulada que não foi possível. R. continua a se desenvolver bem. Freqüenta outra escola, sem dificuldades. Na sessão com R., ele comunica angústias edípicas. Escolhe brincadeiras competitivas. Mostra que já aprendeu a ler. Sente falta da figura paterna.
Oriento a mãe para falar com R. sobre o pai. R. mostra curiosidade sobre o pai. Vê fotografias e fala do pai. Converso com a mãe que R. precisa saber o que está acontecendo com o pai. A mãe fica emocionada ao falar sobre o ex-marido, receando que o filho sofra. Explico que é importante que ele tenha algumas informações, para que desfaça suas dúvidas. Há aproximadamente um ano R. não vê seu pai. O pai telefona às vezes, promete que vai visitá-lo mas não aparece. Continua não dando ajuda financeira para o filho.
Marcamos nova consulta para seis meses após aquela data, para que eu continue acompanhando o desenvolvimento psicológico de R..
A mãe de R., quando procurou ajuda pela primeira vez, estava vivendo um processo de luto patológico, pela perda do marido e do casamento. Isto afetou em demasia a criança. À medida que a mãe foi se sentindo acolhida através das consultas realizadas, foi podendo liberar-se das vivências de luto. Passou a interessar-se gradativamente mais e mais pela vida.
Pôde então ligar-se ao filho em condições mais favoráveis para suprir necessidades mentais indispensáveis ao seu crescimento.
Outra consulta ficou marcada transcorridos 6 meses da consulta anterior. A criança continua a desenvolver-se bem e com sucesso. Aprendeu a ler e a escrever e tem um bom desempenho escolar. Suas dificuldades de contato foram superadas. Tem um bom relacionamento social.
Nesse caso pudemos constatar que a mãe pôde prestar auxílio ao filho, seguindo as orientações fornecidas. Através de nossas conversas, a mãe ia relatando como estava o contato com seu filho: como brincavam, do quê brincavam, se havia seguido ou não minhas orientações, que dúvidas ou dificuldades tinham a respeito. A mãe estava deprimida, tentando elaborar a separação de seu marido. Nas consultas, a mãe conversa sobre sua depressão e o que sentia em relação ao seu casamento desfeito e ao ex-marido.
Esse tipo de intervenção foi tentado porque a partir do diagnóstico realizado com a criança e com a mãe acreditamos que o auxílio também seria prestado à mãe, além do prestado à criança, caso a mãe pudesse, através de seu contato com o filho, ajudá-lo a gradativamente relacionar-se mais e melhor. O processo de luto patológico da mãe havia afetado muito a criança.
O vínculo mais significativo da criança era a figura materna, já que a figura paterna não mantinha contato com a criança. Os avós maternos e paternos só encontravam a criança esporadicamente.
Na verdade, era com a mãe com quem a criança realmente podia contar. Para ajudar esta criança, teríamos que levar em conta este fato. Para ajudar a criança, teríamos que fornecer ajuda à mãe.
À medida que a mãe sentiu-se acolhida pelas consultas realizadas, podendo compartilhar comigo sua tristeza e dor, assim como sua preocupação com o filho, pôde gradativamente ir resgatando seus recursos para ligar-se cada vez mais ao filho e à tarefa que eu propositadamente propus que ela desenvolvesse. Isto é, a tentativa de reparação do atraso de desenvolvimento que o filho apresentava.
Winnicott (1989), quando escreve a respeito de depressão, seu significado e valor afirma:


Chega então um período em que a criança se torna uma unidade, torna-se capaz de sentir: EU SOU, tem um interior, é capaz de cavalgar suas tempestades instintuais e também é capaz de conter as pressões e estresses gerados na realidade psíquica interna. A criança tornou-se capaz de se sentir deprimida. Essa é uma aquisição do crescimento individual.
Nossa visão da depressão está intimamente ligada a nosso conceito de força do ego, de estabelecimento do self e de descoberta de uma identidade pessoal; é por essa razão que podemos discutir a idéia de que a depressão tem valor. Em psiquiatria clínica, a depressão tem muitas características que a tornam, obviamente, uma descrição de doença, mas sempre, mesmo em distúrbios afetivos severos, a presença de humor depressivo dá alguma base para a crença de que o ego individual não está rompido e pode ser capaz de manter a fortaleza, mesmo que na realidade não chegue a nenhum tipo de resolução da guerra interna. (p.57)


Winnicott em sua teoria ao ressaltar o valor da depressão vai afirmar que mesmo nos estados psicopatológicos da depressão, há uma possibilidade de retorno à saúde, já que a integração foi atingida. Seria como o “fog”, a neblina que envolve uma cidade, que assim como chega nublando a cidade poderá ir embora. O mesmo poderia se dizer do humor depressivo. O importante é que se estabeleceu uma unidade, há uma integração e a condição mental para a preocupação, para se sentir responsável.


Sempre, depressão implica em força do ego, e desta maneira depressão tende a dissipar-se, e a pessoa deprimida tende a recuperar sua saúde mental”. (Winnicott, 1986, p.79)


A presença de depressão pressupõe o estabelecimento de integração psíquica indispensável para que existam possibilidades de realização de tentativas de intervenções reparatórias dos problemas ou dificuldades apresentados pelo filho.
Também, ao escrever sobre esse assunto, mais especificamente a respeito das reações de crianças à depressão materna, Winnicott (1948) afirma:


Podemos tirar disto uma lição para o psicanalista que, no início de sua carreira, é facilmente levado a pensar que um sucesso inicial no tratamento se deve às interpretações, na verdade, o importante foi a remoção de um genitor bom, porém deprimido. (p.201)

Sabemos, que as repercussões emocionais em uma criança, de uma mãe deprimida, são contrárias à direção da saúde. Mas, a mãe parecia ter boas condições mentais para cumprir as funções maternais de cuidado físico e psíquico à criança. O luto patológico vivenciado a impedia de ligar-se de maneira mais positiva à criança. Intervimos, levando em conta que tanto a mãe quanto a criança necessitavam de tratamento. Se a mãe superasse a depressão que vivenciava, haveríamos resgatado uma boa parte das possibilidades desta criança desenvolver-se de maneira mais satisfatória.
A mãe e a criança foram respondendo de maneira bastante positiva ao tratamento. As melhoras vieram rápidas. À medida que a criança melhorava, a mãe recuperava sua vontade de viver. Ver seu filho melhor devolvia parte da confiança em seus recursos para efetuar reparações. Estava conseguindo “reparar” as dificuldades que o filho apresentava e que a tinham trazido tão angustiada em busca de ajuda.
Uma das conclusões significativas do trabalho de orientação psicanaliticamente orientada é da importância em compreender a criança assim como a mãe (ou pais), segundo o momento emocional que estão vivendo. Para intervir se faz necessário levar em conta a crise familiar existente, ou as angústias básicas que estão presentes na vida dos pais.
A partir do diagnóstico do significado do sintoma da criança e da queixa trazida pelos pais, o tipo de intervenção a ser desenvolvido é estabelecido. Na investigação que realizamos utilizamos as seguintes modalidades de intervenção: “processo de orientação com os pais”; “consultas terapêuticas”; “consultas com os pais e atendimento psicoterápico com a criança”; “processo de orientação com os pais com atendimento psicoterápico com a criança”.
A possibilidade de compreensão do sintoma da criança e seu significado em termos de desenvolvimento mental nos parece de vital relevância para que os pais possam desempenhar suas funções parentais.
Quando os pais, ou o pai ou a mãe individualmente, conversam com o psicólogo sobre o sintoma ou dificuldade do filho, algum distanciamento é conseguido deste sintoma ou dificuldade. Isto é útil para que alguma compreensão seja obtida. Os pais têm a possibilidade de gradativamente organizar o que estava confuso e angustiante.
Através dos avanços psicanalíticos, fica demonstrada a importância da comunicação na vida humana, tanto na busca de sua preservação, como no caminho em direção ao que chamamos de saúde mental.
Dolto afirma:


Poderíamos falar num circuito curto da libido e em suas armadilhas para o desejo, ao passo que o circuito mais longo, que comporta a comunicação por intermédio da linguagem trocada com um outro, permite ao desejo as harmonias do gozo na inventividade”. (1984, p.233)


O aumento do contato psíquico tanto com o filho quanto com eles próprios, possibilitam aos pais gradativamente discriminar suas angústias das do filho, podendo facilitar as possibilidades de efetuarem medidas reparatórias ou de fornecerem condições mais favoráveis ao desenvolvimento psíquico do filho.
O maior contato com a realidade psíquica do filho e com a sua própria através do processo de orientação, pode vir a dar condições aos pais de obterem outra possibilidade de percepção do filho e do lugar que a criança deve ocupar, para que possa crescer em direção à maturidade.
Através do trabalho realizado com vários pais, com várias mães seguindo os conhecimentos psicanalíticos no que denominamos “orientação” pudemos observar e concluir que o lugar que os pais se colocavam na relação com o filho foi se revelando, como determinante da possibilidade ou não do empreendimento de medidas reparatórias dos pais, assim como na qualidade destas. Se o lugar era “queremos ficar livres do incômodo (sintoma da criança) da maneira mais rápida e simples possível”, as possibilidades foram se mostrando remotas. Se o lugar era “estamos dispostos a realizar tentativas de prestar auxílio a nosso filho, porque ele sofre ou porque, sabemos que estamos errados e continuamos a repetir o mesmo erro sem saber por quê”, as possibilidades se mostraram melhores, ainda que limitadas.
A capacidade de sentir-se preocupado e responsável, aliada ao desejo de efetuar reparações quanto ao desenvolvimento do filho, nos dá condições favoráveis para o trabalho psicoterápico a ser realizado. Quando há capacidade para depressão é possível engajar os pais no tratamento da criança. Isto é útil, porque podemos prestar auxílio à família de maneira abreviada. É útil também porque, ao participarem do tratamento do filho, os pais sentem que estão efetuando reparações, o que poderá resgatar a confiança em suas capacidades para a maternidade e paternidade.
No posfácio de Piggle, “Relato do tratamento psicanalítico de uma menina” (1979), a experiência de um tratamento realizado através de consultas terapêuticas no qual os pais puderam ter participação e acompanhar foi revelado como tendo grande valor para os pais de Gabrielle.


O fato de os pais poderem participar de um processo de crescimento e reparação foi-lhes de grande valor. Tal participação evitou o que se pode freqüentemente observar: os pais sentem que foram ignorados e dessa forma, talvez se predisponham a sentimentos de rivalidade e competição com o terapeuta; talvez tenham inveja do terapeuta e da criança, ou, alternadamente, para evitar tais sentimentos penosos, assim como para evitar a conduta obstrutiva insidiosa que pode deles resultar, os pais se retraem, saindo do campo de influências de um relacionamento novo com a criança, simplesmente entregando-a a um profissional com mais conhecimento e prática. (1979, p.173).


A orientação de pais psicanaliticamente orientada utiliza-se das condições emocionais favoráveis dos pais para facilitar o desenvolvimento da criança. Uma delas, que é determinante da saúde ou de sua ausência, é a capacidade dos pais de conterem as angústias do filho. Acompanhar o desenvolvimento do filho, passo a passo, etapa por etapa, implicará na possibilidade por parte dos pais de entrarem em contato com angústias das mais primitivas (morte, desintegração), às mais evoluídas (separação, perda, exclusão). Além de entrar em contato, os pais terão que auxiliar o filho a suportá-las, transformando-as em vivências mais tranqüilas e apaziguadoras à mente em desenvolvimento.
O psicólogo ao desenvolver o trabalho de orientação de pais exerce a função de conter angústias, tanto as da criança quanto a dos pais. Ao terem suas angústias contidas pelo terapeuta, isto é, ao terem suas angústias ameaçadoras ou turbulentas transformadas em apaziguamento e compreensão (insight), os pais podem por identificação com o terapeuta desempenhá-la junto ao filho.
Mas, para que isto ocorra, é necessário que os pais já tenham essa condição mental. O trabalho psicoterápico abreviado irá apenas resgatá-la. Algum entrave na própria história pessoal da mãe ou do pai, relacionado ao momento evolutivo do filho ou crise, impossibilitou o uso dessa capacidade.
É importante esclarecer que ao utilizarmos a palavra orientação não estamos nos referindo a “dar conselhos” ou “padrões pré-estabelecidos” de comportamento ou um “guia de normalidade”. Estamos utilizando o termo orientação no sentido de usar o conhecimento psicanalítico sobre as bases essenciais de estruturação e constituição do psiquismo, assim como do desenvolvimento psíquico saudável e suas características a favor do desenvolvimento infantil.
A esse respeito caberia citar algumas palavras escritas por Massud Khan (1977) ao dizer:


Estou estabelecendo aqui uma diferença entre receber uma pessoa para tratamento psicoterápico e para análise propriamente dita, porque, no primeiro, a questão é como diz Winnicott sobre as suas consultas terapêutica em que utilizara o Jogo de Rabisco, não o quanto se devia fazer, mas quão pouco se precisa fazer. Todo o debate acerca do que distingue o tratamento psicanalítico da psicoterapia é, muitas vezes, improdutivo por causa da ênfase posta no fato de que cabe ao analista a escolha do papel que ele vai adotar. Na minha experiência, a decisão depende inteiramente da demanda da necessidade e das motivações do paciente, o que, mais uma vez, difere da natureza ou do caráter da doença em questão.


E mais adiante:


“Neste ponto, gostaria de dizer que é um erro pensar que o trabalho psicoterápico é, pela sua própria natureza, manipulativo e não profundo. É diferente e, freqüentemente, mais árduo, porém, decididamente, não é superficial”. (pp.286-7)


Através desse tipo de trabalho com suas especificidades e limitações que temos desenvolvido nas últimas duas ou três décadas pudemos concluir que quando os pais apresentam capacidade para conter angústias e capacidade para depressão podemos esperar melhores resultados. Quando estas capacidades não estão presentes no mundo mental dos pais, o trabalho psicoterápico abreviado tende ao fracasso, ou a resultados bastante limitados.
Por último, devemos ainda considerar que o tipo de problemática apresentada pelos pais pode inviabilizar um trabalho de orientação, um trabalho breve e que o objetivo ao realizar qualquer tipo de intervenção seria possibilitar ou facilitar o encaminhamento para um tratamento mais adequado às especificidades da situação, por vezes, uma psicoterapia de longa duração.
Em nossa experiência, a orientação de pais psicanaliticamente orientada, tem sido um trabalho bastante produtivo, possibilitando intervenções favorecedoras ou facilitadoras do desenvolvimento psíquico, da superação de “crises”. Diante das demandas da clínica atual, das demandas específicas da clientela das clínicas-Escolas, essa é uma área que merece um maior número de pesquisas e trabalhos a serem realizados.
Fica nossa sugestão que novos projetos possam ser desenvolvidos nessa área de investigação.


RESUMO:

Nesta investigação pesquisou-se as possibilidades de intervenção psicológica abreviada, com a finalidade de fornecer auxílio aos pais no desempenho de suas funções parentais, no sentido de favorecer o desenvolvimento psicológico da criança. É nossa hipótese de trabalho que o psicólogo pode fornecer ajuda aos pais ocupando um lugar decisivo em várias crises vividas pela família, principalmente no que se refere ao desempenho das funções parentais. Nesse sentido, a intervenção realizada objetivaria a promoção da saúde, neutralizar a gênese de distúrbios e evitar que a crise provoque ineficácia adaptativa. Outra meta importante é observar a eficácia e as limitações das intervenções realizadas.
Atendemos pais que procuraram o psicólogo motivados fundamentalmente por três razões básicas: algum sintoma apresentado pela criança; momento crítico vivenciado pelos pais ou família; presença de angústia acentuada por um dos pais ou ambos, no vínculo específico com um dos filhos ou com os filhos em geral.
Os resultados demonstraram que o sucesso ou fracasso das intervenções realizadas estão relacionados fundamentalmente às condições emocionais dos pais. Concluímos que a capacidade de conter angústias e a capacidade de elaborar a depressão são aspectos importantes a serem considerados.

Palavras-chave: Desenvolvimento emocional, Psicoterapia psicanalítica abreviada, Consultas terapêuticas – Winnicott.

Interventions in the Psychological Development: the Parental Orientation.


Abstract: In this investigation we made a research on the possibilities of an abbreviated psychological intervention with the purpose of giving assistance to the parents in the performance of their parental functions, aiming to improve the child’s psychological development. Our hypothesis is that the psychologist can help the parents, occupying a decisive place in various family crises, chiefly in the one which refers to the performance of the parental functions. In this respect the intervention would have the objective of promoting health, neutralizing the genesis of disturbances and avoiding the crises to provoke adaptative inefficiency. Another important goal is to observe the efficacy and the limitations of the interventions.
We attended parents that sought help from the psychologist motivated fundamentally by three basic reasons: a symptom presented by the child; a critical moment experienced by the parents or the family; presence of anguish emphasized by one of the parents or by both in the specific link with one of the children or with the children in general.
The results showed that the success or failure of the interventions are fundamentally related to the parental emotional conditions. We concluded that the capacity for holding anguish and the capacity to elaborated depression are important aspects to be considered.

Key-words: Emotional Development; Psychoanalytical Short Time Psychotherapy; Therapeutic Consultations – Winnicott.

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